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Lições Bíblicas - Jeremias, esperança em tempos de crise - Lição 1º - A Jeremias, o profeta da Esperança - parte 2

Jeremias dentro do seu contexto



Jeremias era da cidade de Anatote, uma cidade sacerdotal em Benjamim. Era filho de Hilquias que exercia o cargo de sacerdote, e como esse cargo era hereditário, Jeremias também se tornaria sacerdote. Jeremias foi comissionado por Deus para ser seu profeta no ano de 626 a.C, isto é, no décimo terceiro ano de reinado de Josias. Mas antes de continuar descrevendo a biografia do profeta vamos entender o panorama histórico nacional e internacional da época.

Josias era, portanto o rei de Judá quando Jeremias iniciou seu ministério. O bisavô de Josias foi o rei Ezequias, homem piedoso, que implantou uma série de reformas religiosas, que na verdade era uma reorganização do culto e do templo depois da situação caótica que Acaz, seu pai, havia deixado. O maligno Acaz teria matado alguns dos seus próprios filhos em sacrifício aos odiosos ídolos cananeus, além de ter destruídos alguns utensílios do templo e fechado as portas da Casa do Senhor.

Conforme tinha sido dito pelos profetas do Senhor, na metade do reino de Acaz, o reino do Norte (Israel), que tinha por rei Oséias, foi capturado pela Assíria, era o ano de 722 a.C.

Ezequias, contudo, mandou abrir e purificar o templo, restabelecendo o culto a Deus. No décimo quarto ano do seu reinado (701 a.C), Ezequias rogando ajuda ao Deus Eterno consegue afastar o rei assírio do seu território. O rei Ezequias restabeleceu ainda o culto da páscoa, convidando todos os israelitas (os que não tinham sido deportados e os judeus) para participarem. O seu reino termina com o povo quebrando as estátuas dos ídolos, derrubando os altos aonde aconteciam os sacrifícios, com o rei organizando os turnos dos sacerdotes e levitas para atuarem no templo e com o rei contribuindo da sua própria fazenda para com a obra de Deus.

Bem diferente dele foram o avô e o pai de Josias, Manassés e Amon, respectivamente. Manassés é tido como o pior rei da história da monarquia judaica. Reconstruiu os altos que Ezequias tinha derrubado, prostrou-se diante das estrelas para adorá-las, não fechou o templo, mas colocou altares aos deuses estranhos dentro dele e uma grande imagem de escultura, o rei foi amigo dos necromantes, foi agoureiro e adivinhador, além de queimar alguns dos seus filhos no fogo aos ídolos.

O desvio de Manassés foi muito pior do que qualquer outro rei que houve antes dele, mesmo Acaz não cometeu pecados tão grandes como os dele. Além disso, se atentarmos para que o reinado de Manassés como o mais longo da monarquia judaica (55 anos) entenderíamos o porquê a Bíblia diz: Manassés fez errar a Judá e os moradores de Jerusalém, de maneira que fizeram pior do que as nações que o SENHOR tinha destruído de diante dos filhos de Israel (II Crônicas 33.9). O tempo em que governou Manassés daria duas gerações ou até mesmo três, e o seu governo durou o tempo necessário para que sobre ele e Judá viesse a profecia da maldição divina que dizia:

Visto que Manassés, rei de Judá, cometeu estas abominações, fazendo pior que tudo que fizeram os amorreus antes dele, e também a Judá fez pecar com os ídolos dele, assim diz o SENHOR, Deus de Israel: Eis que hei de trazer tais males sobre Jerusalém e Judá, que todo o que os ouvir, lhe tinirão ambos os ouvidos. Estenderei sobre Jerusalém o cordel de Samaria e o prumo da casa de Acabe; eliminarei Jerusalém, como quem elimina a sujeira de um prato, elimina-a e o emborca. Abandonarei o resto da minha herança, entregá-lo-ei nas mãos de seus inimigos; servirá de presa e despojo para todos os seus inimigos. Porquanto fizeram o que era mau perante mim e me provocaram à ira, desde o dia em que seus pais saíram do Egito até ao dia de hoje. (II Reis 21.11-15)

Mesmo depois, no final já da vida, quando Manassés se arrepende dos seus pecados, o estrago já estava feito, os judeus já estavam alicerçados na arte de pecar, o povo já não tinha mais conhecimento do Altíssimo, a religião já estava corrompida, os profetas profetizavam por dinheiro, os sacerdotes eram adúlteros e assassinos, tanto os pobres como os ricos desprezavam o Senhor e corriam para adorar aos outros deuses que não passam de obras feitas por mão do homem.

Em lugar de Manassés, Amon reinou em Jerusalém, sem temor do Senhor, este também se prostrou diante de falsos deuses, porém diferente de seu pai, reinou apenas dois anos, pois foi assassinado pelos seus próprios servos. Josias, seu filho, foi coroado em seu lugar.

Josias precisou reinar quando ainda tinha oito anos de idade, mas este foi um alívio para Judá, pois foi reto para com Deus, sem se desviar nem para direita nem para esquerda. Tinha apenas 16 anos quando ordenou que se purificasse toda Judá e Jerusalém, que fosse destruído ídolos e que não sobrasse nenhum profeta desses deuses falsos. Mandou também o rei que reformasse todo o templo, para isso contratou carpinteiros e edificadores.

Nesse tempo foi encontrada uma cópia do livro da Lei de Moisés (talvez todo o Pentateuco ou fragmentos de Levítico e Deuteronômio), provavelmente Manassés na sua malignidade tenha mandado queimar manuscritos da Lei, o certo é que o rei Josias mandou perguntar aos profetas de Deus o que isso significava e a profetisa Hulda (prova inconteste que as mulheres também exerciam cargos de profeta) mandou dizer ao rei que por causa do seu avô que corrompeu Judá, Jerusalém seria destruída e todos os males que o Senhor anunciara na sua Lei sobre quem  a desobedecesse se cumpriria sem mais demora, porém Deus pouparia a vida do rei Josias - pois Josias havia se humilhado e chorado os pecados dos antepassados e do seu povo  - para que ele não visse o mal que viria pelas mãos de Nabucodonosor (Nabucodonosor II).

No campo internacional Jeremias é contemporâneo do declínio e da ruína dos grandiosos impérios da Assíria (não confundir com Síria) e do Egito. Talvez no tempo do pai de Jeremias se alguém dissesse que Assíria iria cair definitivamente e na mão dos caldeus, poderia ser que alguém zombasse dizendo que isso era um completo absurdo, se bem que o império neo-assírio (como foi chamado a Assíria durante 911-609 a.C) passava por baixos e altos. Lembremos que anteriormente o rei Acabe de Israel havia conseguido expulsar os assírios na batalha de Qarqar, em 853 a.C, e Jeroboão II fortaleceu e expandiu o reino de Israel sem nenhuma interferência assíria, contudo a Assíria viria derrotar definitivamente e deportar os moradores de Israel, pressionando depois o rei Ezequias de Judá (o reino do sul), inclusive deixando-o como vassalo e ameaçando invadir Jerusalém. Com o rei Assurbanípal a Assíria havia se tornado o maior império de até então dominado o Egito, a Babilônia, a Pérsia, a Síria e Israel.

Por outro lado o Egito talvez tenha sido o império mais duradouro da Antiguidade Oriental. Porém na época de Jeremias o Egito não era mais o mesmo, estava debatendo-se, a glória do Império Novo nunca mais seria vista. Aí está o ponto: o Egito nunca mais seria grande, não seria mais independente, mas dominado pelos gregos, pelos romanos e outros povos, nunca mais o povo de Deus confiaria mais nele, buscaria no Egito proteção e socorro, como até mesmo Ezequias fez. Pois Ezequiel profetizou a respeito deles:

(...) porquanto tornarei a terra do Egito em desolação, no meio de terras desoladas; as suas cidades no meio das cidades desertas se tornarão em desolação por quarenta anos; espalharei os egípcios entre as nações e os derramarei pelas terras. Mas assim diz o SENHOR Deus: Ao cabo de quarenta anos, ajuntarei os egípcios dentre os povos para o meio dos quais foram espalhados. Restaurarei a sorte dos egípcios e os farei voltar à terra de Patros, à terra de sua origem; e serão ali um reino humilde. Tornar-se-á o mais humilde dos reinos e nunca mais se exaltará sobre as nações; porque os diminuirei, para que não dominem sobre as nações. Já não terá a confiança da casa de Israel, confiança essa que me traria à memória a iniqüidade de Israel quando se voltava a ele à procura de socorro; antes, saberão que eu sou o SENHOR Deus (Ezequiel 29.12-16).

Em contrapartida, Jeremias também é contemporâneo da ascensão dos caldeus, povo humilde, que de escravos dos assírios e sobre a capa do império babilônico se tornariam o maior império da Antiguidade Oriental, antes dos persas. Se alguém audaciosamente dissesse que era fácil para Jeremias prevê a queda dos assírios (que não era verdade, visto que os assírios conquistaram o Egito em 701 a.C e estavam passando pelo seu período mais próspero com Assurbanípal, contemporâneo de Josias) ou a queda dos egípcios (que se fossem fracos nenhum rei de Judá confiariam neles), como prever que logo os caldeus iriam conquistar esse dois reinos? Ninguém poderia prevê, porém Deus já sabia, pois disse a Habacuque: “(...) realizo em vossos dias uma obra, que vós não acreditareis, quando for contada. Pois eis que suscito os caldeus (...)” (Habacuque 1.5-6)

No apogeu do império assírio, Deus quebrou seus pés de barro, no auge: a queda. Os assírios tinham conquistado mais povos do que tinham capacidade de controlar e a maneira dura e perversa com que tratavam esses povos fez com que depois da morte de Assurbanípal, os caldeus que tinham como aliados os medos, sob a direção de Nabopalassar, um dos maiores guerreiros e estrategistas militares da Antiguidade Oriental, junto com seu brilhante filho Nabucodonosor (Nabucodonosor II, não confundir com Nabucodonosor I), destruíram Nínive, capital da Assíria, em 609 a.C, e na batalha de Carquemis, Nabucodonosor, ainda como príncipe herdeiro, derrota Faraó Neco II e vence definitivamente os assírios.

A nação judaica estava passando então, pois por dois fatores importantíssimos. No campo nacional, os judeus acreditavam que a reforma religiosa feita por Josias era suficiente para aplacar a ira de Deus. E de fato poderia ter desviado a ira de Deus contra Jerusalém se a reforma religiosa tivesse surtido efeito, mas não surtiu. Depois da morte de Josias o povo só tinha retomado ao cerimonial, o culto acontecia normalmente, porém o povo não estava sendo transformado, antes acreditavam que participar da liturgia significava ausência de pecado. Por essa razão profetizou Jeremias: Que é isso? Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após outros deuses que não conheceis, e depois vindes, e vos pondes diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abominações! Será esta casa que se chama pelo meu nome um covil de salteadores aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isto, diz o Senhor (Jeremias 7.9-11)

No campo internacional Deus tinha armado o palco e convidado para cena a Babilônia, a Assíria, o Egito e Judá; julgaria a maldade dos três últimos, começando pela a Assíria que veria as poderosas muralhas de Nínive serem ultrapassadas, pois de ti, Assíria Deus deu ordem que não haja posteridade que leve o teu nome; da casa dos teus deuses exterminarei as imagens de escultura e de fundição; farei o teu sepulcro, porque és vil (Naum1.14). Do Egito Deus deu ordem dizendo: Eis que eu darei a Nabucodonosor, rei da Babilônia, a terra do Egito; ele levará a sua multidão, e tornará o seu despojo e roubará sua presa, e isto será a paga para o seu exército (Ezequiel 29.19). E de Judá dá ordem por Isaías ao rei Ezequias:

Ouve a palavra do Senhor: Eis que virão dias em que tudo quanto houver em tua casa, com o que entesouraram teus pais até ao dia de hoje, será levado para a Babilônia; não ficará coisa alguma, disse o Senhor. Dos teus próprios filhos, que tu gerares, tomarão, para que sejam eunucos no palácio do rei da Babilônia (II Reis 20.16-18)

Então a tarefa de Jeremias não era uma das mais fáceis, teria que falar a um povo já completamente desviado a se entregarem nas mãos de Nabucodonosor para que se evitasse a morte pela espada, peste e fome que já estavam destinadas a Jerusalém. O templo seria igualmente destruído, pois certamente mais do que preceitos religiosos, Deus quer ver a obediência sincera do seu povo.

Jeremias não se alegrava com tudo isso, antes chorou tanto que recebeu a acunha de o “profeta chorão”, revelando-nos o caráter daquele a quem Deus chama, pois o próprio Deus não queria que Judá fosse destruída, mas que se arrependessem.

E Jeremias mostrou comprometimento. Não é fácil uma pessoa agüentar por quarenta anos chacota e humilhações de um povo corrupto que não enxergava a própria sujeira moral a que estavam acometidos. De igual modo, não é fácil sendo jovem um homem aceitar não contrair matrimônio apenas para provar a um povo obstinado que o juízo de Deus que veria pelos caldeus era grave e rápido.

Não é exagero dizer portanto que os profetas de hoje devam ser medidos por Jeremias.


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